A fotógrafa americana Gail Albert Halaban transformou o ato de observar em arte — e provocação. Suas séries Out My Window e Paris Views registram apartamentos parisienses e nova-iorquinos vistos através das janelas, onde moradores aparecem em cenas cotidianas: preparando o jantar, lendo, contemplando o horizonte. À primeira vista, somos convidados a espiar; logo depois, percebemos que estamos sendo observados também.
Halaban recria o fascínio ancestral do voyeurismo, mas com uma inversão sutil. Suas fotografias não são invasivas: os retratados sabem que estão sendo fotografados. O jogo de olhares, portanto, é consentido — e ainda assim desconcertante. O termo voyeur, originalmente neutro e simplesmente significando “aquele que observa”, ganhou conotações eróticas no século XIX e, desde então, passou a simbolizar o prazer de ver sem ser visto.
Na era das redes sociais e das janelas digitais que se abrem em nossas telas, esse prazer se tornou cotidiano. Vivemos o espetáculo da exposição e da curiosidade mútua. Programas como Big Brother e a cultura da vigilância online apenas amplificam aquilo que, segundo Lacan, é estruturalmente insaciável: o desejo de ver o que se esconde por trás da cortina — o “objeto petit a”, sempre ausente, sempre inalcançável.
Ao explorar esse limite, Halaban nos coloca diante de uma questão essencial: até onde vai a ética do olhar? Suas janelas iluminadas são metáforas de nossa própria curiosidade — estética, social, psicológica. No enquadramento preciso de suas lentes, o voyeurismo deixa de ser apenas um desvio e torna-se um espelho, refletindo o modo como olhamos, desejamos e existimos em um mundo cada vez mais transparente.
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Fontes: Gail Albert Halaban (site oficial), New York Times