Chamado de “Michelangelo da Caricatura”, Honoré-Victorin Daumier (1808–1879) foi muito mais do que um caricaturista: ele foi pintor, gravador, escultor e um dos mais ácidos cronistas visuais de sua época. Ao longo da vida, produziu mais de 4.000 litografias, verdadeiros retratos satíricos da política, da justiça e da burguesia francesa do século XIX.
Desde menino demonstrava talento artístico, mas seu pai, desejando para ele uma carreira mais estável, tentou desviá-lo desse caminho e chegou a colocá-lo como porteiro de tribunal. Ironicamente, essa experiência seria fundamental: foi ali que Daumier passou a observar de perto juízes, advogados e litigantes, personagens que mais tarde imortalizaria em caricaturas mordazes, revelando os vícios e a pompa do sistema judiciário.
A Wonderful Scent Of Winter Nights, Snow And New Year
Antes de conquistar espaço no mundo das artes, Daumier trabalhou em uma livraria e, depois, tornou-se protegido de Alexandre Lenoir, artista e arqueólogo. Foi nesse ambiente que ele entrou em contato com o ofício da litografia, técnica relativamente nova à época, e começou a criar placas para editoras musicais e anúncios ilustrados.
Seu talento logo o levou à imprensa satírica. No jornal La Caricature, durante o reinado de Luís Filipe I, Daumier publicou charges ousadas contra a burguesia e a política francesa. Uma de suas imagens mais famosas mostrava o rei como Gargântua, o gigante glutão criado por Rabelais, engolindo o dinheiro do povo. O desenho foi tão impactante que o artista acabou preso por seis meses — uma prova do poder de suas imagens.
Victor Hugo afirmou: “Daumier tem algo de Michelangelo, mas acrescenta o riso”
Fora da caricatura, um de seus temas mais queridos era Dom Quixote. Fascinado pela figura do cavaleiro errante, criou 49 desenhos e 29 pinturas sobre o personagem. Muitos críticos veem nesses trabalhos uma identificação entre Daumier e o próprio Quixote: ambos lutavam contra moinhos invisíveis, guiados mais pela paixão do que pelo reconhecimento.
Em vida, porém, Daumier foi pouco valorizado. Só em 1878, um ano antes de sua morte, suas obras receberam uma grande exposição. Após sua morte, veio o reconhecimento tardio: hoje, ele é celebrado como um dos maiores satiristas visuais da história, capaz de transformar crítica social em arte atemporal.